Defendi, anteriormente, o caráter
catártico do teatro, a sua verve
libertária, o seu uso escapista, como
se fora (e é, acredito), um veículo que nos possibilita caminhares prazerosos
entre um ponto e outro de nós mesmos. Sim, nós não somos uma caixa de chocolate
fechada cuja abertura não revelará qualquer surpresa. Somos antes "casas muito grandes, muito compridas” e “[...] é como se
morássemos apenas num quarto ou dois” (ANTUNES, 2004). Imagino que a
maioria de nós guarda semelhanças com as personagens de Shakespeare e Molière,
simultaneamente. Somos dramáticos e cômicos, ao mesmo tempo absurdos e
completamente centrados e equilibrados. Somos ambivalentes. E, por uma razão ou
por outra, na maioria das vezes nos apresentamos diante dos outros segundo apenas
um dos pólos dessa ambivalência. Escolhemos quem queremos ser. Muito porque
como escreveu José Saramago “Vivemos numa espécie de alarme
em relação a nós mesmos, que talvez seja não querermos saber quem somos na
realidade”. Desse modo, somos na maioria das vezes equilibrados - é o
socialmente aceitável -, e no restante do tempo, entre os mais próximos, entre
quatro paredes (e por que não dizer entre iguais?), menos convencionais – ou mesmo
uns perfeitos idiotas. Que vergonha eu não teria se soubésseis de minhas
tolices!
Ora, esse autoconhecimento educativo e
formador, construtor de personalidades, encontra, ao nível do teatro, grande
proeminência principalmente no Teatro do Improviso. Este, afeito à
espontaneidade, ao “não pensar” e ao “não ajuizar” das atitudes/condutas, abre
espaço a um melhor entendimento e conhecimento do ator que age de improviso, ou
seja, no âmbito da escola, dos alunos que submetamos a essa atividade. Não sem
sentido Fernando Pessoa escrevera que nada senão o instante o conhecia, pois é
no instante, no tempo que age de surpresa, que não nos pensamos e não
sucumbimos ao alarme de sermos.
No teatro do Improviso a encenação é
livremente criada no decorrer do espetáculo, não havendo falas, nem quaisquer
referências cênicas preestabelecidas. Principia-se a ação partindo de um tema,
ou de uma contação de história prévia, que os atores e atrizes, e mesmo os
espectadores presentes, encenam a seu bel prazer. A ferramenta primordial é a
criatividade.
Por esse meio, pela permissão concedida
ao aluno de ser sujeito da ação, de falar e agir sem repressão diante de um
determinado assunto, logramos outro nível de conhecimento desses mesmos alunos,
ao mesmo tempo em que lhes possibilitamos melhor conhecerem-se. Para isso é, no
entanto, fundamental que ao final da representação levantemos questionamentos
pertinentes com relação às escolhas cênicas de cada um. Não podemos, nem
devemos, ficar na cena pela cena. É necessário que se questione, a título de
exemplo, por que o aluno A, numa encenação sobre a chegada dos portugueses ao
Brasil, representou um indígena assombrado e temeroso e o aluno B, um indígena
destemido e antes curioso em relação ao outro. Num exemplo como esse deve,
inclusive, trabalhar-se a imagem projetada do colonizador. Como eles o
representaram? Por que o representaram assim? Representaram o colonizador todos
de igual modo? Por quê? Se não, quais foram as variáveis? E o indígena? Teve
sempre o mesmo tipo de representação? Por quê?
O teatro do Improviso abre espaço a
inúmeras possibilidades. Tem como principais elementos a “[...] sensibilização
e a reflexão sobre problemas coletivos [...], a intervenção crítica e criativa
em termos específicos [...], as atividades educativas [...], a expressão
artística natural [...], o entretenimento” (MOURA, 2008), sendo, por vezes,
“[...] um caminho que se abre para os (as) tímidos (as) [...]” e “Outras vezes
[...] para a liberação dos (as) extrovertidos (as) no sentido de desenvolverem
uma introspecção necessária” (MOURA, 2008).
Deve atentar-se, no entanto, para o fato
de que o teatro do Improviso é antes de tudo um exercício bem ao jeito das
brincadeiras propostas por Boal no livro "200 exercícios e jogos para o ator e o não-ator com vontade de dizer algo através do teatro". Não tem um caráter
fechado, de obra/representação terminada. É moldável, incerto, e por isso mesmo
de uma fecundidade e ludicidade elogiável, estando muitas vezes, ou descambando
muitas vezes, melhor dizendo, no humor, devido às falhas a que está sujeito. A
espontaneidade, todos sabemos, é rica em atropelos. E isso é exatamente algo que
o professor deve saber gerir. Caso contrário, o exercício se perderá.
Algumas indicações pertinentes à
execução do teatro de Improviso são:
·
A contação de uma história antes do tema
dado (o que pode ser favorável no sentido de estabelecer uma linha de
representação e, por conseguinte, uma espécie de controle da ação), ou a
iniciação da representação a partir de um tema (nesse caso a liberdade de
interpretação parece de maior plenitude)
·
A preparação do aluno por meio de
exercícios/jogos teatrais. Algo que o professor deve tentar promover
conjuntamente com os professores de artes.
·
A preparação do aluno ao nível dos
questionamentos. É importante que o aluno perceba o alcance do que ali será
representado, que ele entenda que há nesse exercício do Improviso muito mais do
que uma brincadeira. Há formas de ação, jeitos de pensar, preconceitos,
sistemas de referência que serão revelados e que devem ser pensados.
·
A execução nos anos mais avançados, como
Ensino Médio, devido a uma maior maturidade necessária na compreensão das
dinâmicas.
·
O controle da encenação, na medida do
possível. Controle no sentido de que a aula/exercício não se torne,
literalmente, uma brincadeira. Para isso concorrem alguns elementos: a
preparação dos alunos (exercícios/jogos, visionamento de vídeos demonstrativos),
idade dos intervenientes, personalidade dos intervenientes, o meio, a
preparação do docente, o tempo de representação. De destacar que sobre alguns
desses itens o professor tem, ou poderá ter, total controle, ao passo que
outros escapam-lhe completamente. Nos dois primeiros itens – exercícios/jogos e
visionamento de vídeos demonstrativos – o educador tem total poder. Depende
dele a promoção dessas atividades, quer unicamente na sua disciplina, quer com
o apoio de outros professores. Na questão da idade, enfatizo a preferência pela
execução dessa prática nos anos do Ensino Médio. As outras questões como
personalidade e o meio serão trabalhadas pelo professor, que regra geral, no
caso de História, não tem preparação teatral. Essa será, talvez, a maior das
dificuldades. Um especial cuidado é requerido no tempo de encenação. Proponho
exercícios nunca superiores a 10 minutos. A longa duração dá, não raras vezes,
lugar ao desvirtuamento.
·
Atenção à propensão para o humor deste
tipo de exercício. O professor deve estar preparado para trabalhar o riso. Por
que riram os alunos-espectadores diante daquela cena? A ação do personagem foi
naturalmente cômica? Por quê? Tem algo de real no que representou? Ou não? O
que provocou o riso? Uma ação cotidiana? Uma fala do personagem? Uma
manifestação preconceituosa? Um estereótipo?
Em suma, o exercício do Teatro do
Improviso permite abordagens deveras enriquecedoras, principalmente ao nível da
promoção do autoconhecimento e do trabalho com sistemas de valores e
preconceitos, comportando, no entanto, algumas dificuldades de execução, ora
dependentes, ora independentes da vontade do docente. Dessa forma, é
aconselhável um trabalho bastante cuidado e meticuloso na sua preparação,
devendo o profissional do ensino, na falta de formação teatral, pesquisar e
procurar inteirar-se das melhores metodologias e práticas educativas no que à
sua execução se refere. Em última análise, o que se destaca é que tal
exercício/jogo não pode ficar arredado de um ensino cada vez mais inovador e
multidisciplinar voltado para a completude individual e formação cidadã.
Deixo abaixo dois links para vídeos de Teatro do Improviso:
Bom trabalho!
Referências bibliográficas:
MOURA, A.
S. . O Teatro de Improviso como prática educativa no ensino de História.
In: XIII Encontro Estadual da ANPUH - História e Historiografia: Entre o
nacional e o regional, 2008, Guarabira (PB). XIII Encontro Estadual da ANPUH -
História e Historiografia: Entre o nacional e o regional, 2008.
O improviso no teatro e na dança. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=AeMca85HfzM>. Acesso em: 29 de dez. 2014.
Teatro do improviso com histórias reais. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=l6DQ-vvL9HE>. Acesso em: 29 de dez. 2014.